Necessidade de políticas públicas para a permanência dentro das universidades também deve ser prioridade
Por Amanda Bier, Leila Donhauser, Lohana Souza e Thomás Domanski
Uma das políticas afirmativas mais eficientes do País passou por mudanças. O mecanismo de ingresso de cotistas ao ensino superior, a Lei de Cotas, de nº 12.711/2012, foi revisada e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Agora, a legislação estabelece parâmetros de benefícios para quem tiver renda igual ou inferior a R$ 1.320 mensais. Entre as mudanças estão todos os candidatos concorrerão primeiro na ampla concorrência, caso não alcancem as notas nesta modalidade, passam então a concorrer às vagas reservadas pela Lei de Cotas.
Além disso, agora os quilombolas também serão contemplados e a cada dez anos a lei será revista e avaliada.
Sancionado pela ex-presidenta Dilma Rousseff, o regulamento garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno em universidade federais e institutos de ensino federais, para alunos que venham do Ensino Médio da rede pública. Já os outros 50% das vagas são para ampla concorrência.
Apesar dos avanços, pretos e pardos são minoria
Contudo, essa lei, que vem garantindo resultados maiores, ainda não conseguiu atingir números igualitários.
Em 2022, o IBGE divulgou que o número da população preta e parda cresceu no Brasil e atingiu 56,1%. Apesar de ser maioria, ocupa apenas 48,3% das vagas universitárias, somando as instituições públicas e privadas no país.
Em números absolutos, o Brasil tinha 3,6 milhões de universitários pretos e pardos em 2016 e passou para 4,1 milhões em 2022. Já o número total de alunos no Ensino Superior foi de 8,2 milhões para 8,7 milhões nesse mesmo período.
Mas antes mesmo da Lei de Cotas, o Movimento Negro Unificado (MNU), já travava suas batalhas. Gleidson Martins Dias, especialista em Direito Público e membro da coordenação do MNU, conta que a organização surgiu em 1978, como uma quebra de paradigmas em plena ditadura. Gleidson afirma que antes as formas de resistência eram mais ligadas às questões culturais e artísticas.
“O MNU nasceu para disputar o poder pelo povo negro, então eu acho que esse é um marco contemporâneo. Desde sua origem, o movimento já se engajava na disputa pela narrativa da democracia racial”, conta.
Para Gleidson, houve vários avanços, porém ainda existe muito a ser feito. “Durante toda a minha atividade acadêmica, eu dificilmente vi pessoas parecidas comigo nos meios acadêmicos e de trabalho. Eu quero que as pessoas negras estejam em poder de igualdade de pessoas brancas. Mas, para isso acontecer, precisamos ter mais representatividade política buscando modificar essa estrutura racista”, destaca.
Voto negro é fundamental para lidar com a desigualdade
Sobre medidas que podem ser adotadas para aprimorar as políticas públicas direcionadas à população negra, Gleidson destaca que é fundamental, em primeiro lugar, compreender a importância do voto negro, uma vez que são os políticos os responsáveis pela criação dessas políticas.
“Precisamos ter representantes negros em todas as esferas políticas, desde vereadores e deputados até senadores, prefeitos, governadores e presidentes, para alcançar uma representação negra substancial”, frisa. Segundo ele, esses políticos devem estar cientes de sua presença nos ambientes de poder e devem assumir o compromisso de modificar as estruturas racistas que permeiam esses espaços.
Em 2023, ocorreu um marco histórico na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, instituída em 20 de abril de 1835: a formação da primeira bancada negra. Este é também o primeiro momento, em quase dois séculos, em que mulheres negras ocupam assentos no Parlamento gaúcho.
Para Laura Sito, deputada estadual do Rio Grande do Sul, o principal desafio de ser uma mulher negra na política é o racismo institucional. “Há poucos dias, recebi no e-mail institucional um pedido de informação, o que causou estranhamento, afinal, eu não tinha solicitado. Ao ler melhor, o pedido foi feito pela deputada Bruna Rodrigues, ou seja, houve uma troca. Dá para entender o quão racista é essa prática?”, comenta.
Segundo Laura, é frequente a confusão entre as duas deputadas, o que, na sua perspectiva, revela algo um tanto irônico. “A grande maioria dos políticos são homens, brancos, mais velhos, e ninguém os confunde? Por quê?”, indaga.
Sobre as cotas, Laura lembra que carregou essa bandeira por anos pelo Brasil e reforça que segue com ela por onde for.
”Sou fruto da Lei de Cotas, me tornei jornalista pela UFRGS por meio do acesso a essa política pública. A lei é importante porque permite que pessoas negras entrem na universidade e mudem sua trajetória, assim como eu mudei a minha”, comenta.
Hoje, ao perceber o quanto as universidades públicas mudaram, a deputada sente o quanto estava certa. Para ela, não se faz um País com igualdade sem reparação histórica e oportunidade para todos. Laura ainda ressalta que a sua luta sempre será pela manutenção e pela melhoria deste instrumento fundamental para acabar com o racismo no Brasil.
”Por isso dediquei, e dedico, toda a minha trajetória militante para que possamos ter o povo negro em todos os espaços. Me emociona ver o movimento feito para garantir nossos direitos neste ano, por meio de figuras políticas que são da mesma geração que a minha. Sigo defendendo essa política que me deu acesso ao Ensino Superior e faz parte de um momento importante para a minha trajetória. É como eu sempre digo: o futuro não será sem nós”, destaca a deputada.
Apesar de ver as mudanças como avanço, Laura também acredita que a permanência estudantil deve estar na pauta política. Existem diferentes fatores que fazem as pessoas se afastaram das universidades e há muito tempo esse tema é discutido, porém os avanços são poucos. Mais do que entrar na universidade, as pessoas precisam permanecer ali, vivenciar sua área de escolha e sair podendo contribuir para o desenvolvimento da população.
Como diretora da União Nacional dos Estudantes (2011-2013) e também pelo Movimento Esperançar, Laura defendeu a construção de soluções para a permanência estudantil. Essa é uma tentativa de democratização do acesso ao Ensino Superior e de reconhecer a necessidade de ser vista como um pilar das universidades do Rio Grande do Sul e do Brasil.
A importância de ocupar os espaços de poder
Sanny Figueiredo, diretora do departamento de Igualdade Étnico Racial do Rio Grande do Sul, tem uma história parecida com a de muitas mulheres negras. Se entendeu como uma pessoa preta por volta dos 18 anos e foi aí que deu início a sua trajetória nos movimentos sociais, participando de grupos socioculturais para dialogar com o mundo e sua realidade.
”Sempre fui desde muito nova uma pessoa curiosa e talvez por gostar muito de ler de tudo, sempre tive um senso crítico e criativo muito aguçados. Oo fato de vislumbrar um mundo que não me incluía, fez com que eu iniciasse mais ativamente na jornada do movimento negro em si”, comenta.
Sua jornada na política é oriunda dos tempos dos grêmios estudantis, onde participou de movimentos jovens e da geração dos caras pintadas. Sanny comenta que, mesmo sem saber, já estava trilhando o seu caminho político.
Além disso, atuou enquanto produtora cultural, palestrante e oficineira dentro das escolas públicas, afinal sempre acreditou que a mudança concreta vem dos jovens que são os herdeiros das políticas públicas pavimentadas pelas pessoas que vieram antes.
A filiação partidária veio mais tarde, em 2017, no Partido Socialista Brasileiro, onde está até os dias atuais. Nas eleições de 2022, Sammy foi candidata ao Senado e, se tornou assim, a primeira mulher negra candidata ao Senado pelo Rio Grande do Sul em 213 anos de República.
Hoje, Sammy é diretora do departamento de Igualdade Étnico Racial da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Estado e destaca que está em processo de criação, fortalecimento e ampliação da política de Igualdade Racial no Estado.
O objetivo é conseguir implementar, de forma concreta e continuada, as mudanças necessárias para as políticas públicas afirmativas no RS. Além de garantir que as práticas antirracistas se tornem políticas de estado e não mais de governo, fazendo com que o tema continue em pauta independente da gestão.