Perdas e retomada: músicos gaúchos voltam aos palcos 

Mostra Sol do Sul no Theatro São Pedro. Foto: Vinicius Angeli / Arquivo pessoal
Mostra Sol do Sul no Theatro São Pedro. Foto: Vinicius Angeli / Arquivo pessoal

Theatro São Pedro reabre após as enchentes; setor teve cerca de 150 mil trabalhadores impactados, estima Associação dos Músicos do Rio Grande do Sul 

Situado em pleno Centro Histórico de Porto Alegre, com 166 anos, o Theatro São Pedro é um símbolo da arte gaúcha. O local centenário é um dos principais cartões postais da cidade e se tornou um sinônimo da persistência dos artistas do estado, já que entre os anos 1973 e 1984, o espaço foi interditado pela completa falta de manutenção, sendo cogitada até a sua demolição. “Neste ano, comemoraremos 40 anos da reabertura do Theatro. E é isso que vamos fazer, iremos reconstruir este teatro”, afirmou de forma simbólica Antônio Hohlfeldt, presidente do São Pedro, na abertura da Mostra Sol do Sul, evento que marcou a retomada das atividades na casa de apresentações, no sábado, dia 8 de junho, após as enchentes que assolaram o estado. 

Com entrada franca, mediante a doação de produtos de higiene pessoal ou limpeza, que foram destinados às famílias dos artistas atingidos, a Mostra promoveu uma série de apresentações com jovens talentos da música de concerto. Destaque para a ONG Sol Maior e a Orquestra Jovem Theatro São Pedro (OJTSP), dois projetos que atendem crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Fora dos holofotes, Maria Rosária Reis fazia um espetáculo à parte na plateia, gritando o nome de suas netas assim que entravam ao palco.  

“Tenho cinco netas que estão se apresentando. Este momento está sendo muito importante para nós do projeto, ver crianças que não tem condições financeiras na vida, mas que, um dia, serão alguém. Estão no lugar certo na hora certa”.  

O projeto Sol Maior tem sede no bairro Humaitá, um dos mais afetados pela enchente que arrasou a Zona Norte de Porto Alegre.  

“Este dia é para ajudar pois lá no Humaitá fomos muito impactados. Sozinhos não fazemos nada e vir a este show é uma forma de cooperar com muitos artistas e alunos do projeto que perderam tudo”, reiterou Maria Rosária ao falar para a reportagem. 

O presidente da Associação dos Músicos do Rio Grande do Sul (ASSMURS), Rodrigo Lentino, estimou que 150 mil músicos e profissionais do setor tenham sido impactados direta e indiretamente pelas enchentes. “Apenas na região Metropolitana são 10 mil profissionais afetados. Os mais atingidos foram os músicos de bares e casas noturnas e os técnicos de som. A associação esteve no Ministério da Cultura, em Brasília, buscando articular medidas e auxílios emergenciais. Trouxemos projetos e editais para movimentar a cadeia produtiva. Estamos conversando também com os governos do estado e do município”, afirmou Rodrigo. 

O recomeço 

O músico Douglas Gutjahr ainda não teve coragem de contabilizar os prejuízos que teve em seu estúdio de música, localizado no bairro Rio Branco, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre.  

“Estou tentando mentalizar coisas positivas nesse momento. Há 10 anos, havia gastado R$ 15 mil para reformar o espaço. Juntando os prejuízos do estúdio e instrumentos, estou calculando, por baixo, que perdi mais de R$ 40 mil”, lamentou.  

Instrumentos corroídos pela água da enchente em Canoas. Foto: Douglas Gutjahr / Arquivo Pessoal 

O estúdio de Douglas fica aos fundos da casa de sua sogra. Ele não imaginava que a água subiria quase dois metros, deixando o espaço inundado por 18 dias.  

“Eu coloquei algumas coisas para cima. Levei comigo quatro instrumentos que tenho um carinho muito grande e que têm valor alto. Essa água da enchente é ácida, quando entra em contato com os instrumentos corrói o metal muito rápido. Alguns eu consegui resgatar, outros se deformaram”, apontou. 

Mesmo diante de tantos prejuízos, o músico não perdeu o otimismo e espera poder reconstruir o seu ambiente de trabalho.  

“Meus dias têm se dividido entre dar aulas e fazer a limpeza. Foi um soco bem dado no queixo, mas, um dia de cada vez, as coisas vão melhorando”, concluiu. 

A assessoria da Secretaria da Cultura do Estado (Sedac) informou que ainda não foram contabilizadas as perdas monetárias no setor. 

Impactos na OSPA

A Casa da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), que fica localizada no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), na zona central da Capital, não teve a mesma sorte que o Theatro São Pedro. Em uma parte mais baixa da cidade, a água da enchente atingiu o espaço, impactando diretamente as atividades da orquestra, obrigando que todos os concertos previstos para o mês de junho fossem suspensos.  

“A Orquestra Theatro São Pedro não foi atingida com danos físicos diretos, somente com a paralisação das apresentações, que serão reagendadas mais adiante. Não deixaremos de fazer o que estava programado. Já a OSPA, perdeu seus equipamentos de ar-condicionado e um elevador”, lamentou Evandro Matté, maestro e diretor artístico das duas orquestras.  

Casa da Ospa funciona no Centro Administrativo Fernando Ferrari. Foto: Carolina Chaves / Ascom OSPA 

Na sexta-feira, 7 de junho, em evento solene no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), foi lançado o programa Banrisul Reconstruir RS, vinculado à Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), que irá destinar R$ 25 milhões para a recuperação de instituições da Sedac e para iniciativas de retomada para projetos culturais e trabalhadores da área. Em nota, a Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (FOSPA) afirmou que vai receber R$ 1,8 milhão para realizar a substituição e o conserto do sistema de climatização e do elevador da Casa da OSPA. Estiveram presentes no lançamento o governador Eduardo Leite, a secretária de Estado da Cultura, Beatriz Araujo, e o presidente do Banrisul, Fernando Lemos. 

Um alento para a alma  

Ainda que sofrendo tais impactos, as orquestras não deixaram de participar de ações solidárias durante o período mais grave em que as águas ocuparam a cidade. A FOSPA participa da Rede de Ações Culturais de Emergência, iniciativa que leva música, literatura, cinema e artes visuais a pessoas desabrigadas pelas enchentes.  

Quarteto de cordas da OSPA no Vida Centro Humanístico. Foto: Luiza Piffero / Ascom OSPA 

Com esse propósito, a Fundação deu início a uma série de apresentações em abrigos da Região Metropolitana de Porto Alegre. O primeiro concerto, em 28 de maio, aconteceu no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Depois, ao longo do mês de junho, foram realizadas apresentações  com diversos grupos musicais e um repertório que abrange música clássica, trilha sonora de filmes e sucessos de artistas internacionais, entre outros.  

Retorno dos concertos

Na quarta-feira passada, (26/06), a OSPA anunciou a retomada dos concertos. Entre os dias 28 e 29 de junho, a orquestra viaja a Santa Cruz do Sul e Taquara, respectivamente, para duas apresentações alusivas ao Bicentenário da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul. Já a Casa da OSPA, sede da orquestra em Porto Alegre, permanece interditada. Programação e informações podem ser conferidas no  ospa.rs.gov.br. 

A Orquestra do Theatro São Pedro teve seu retorno aos palcos no dia 20 de junho, com o Jazz em Concerto, apresentação que fez parte do Festival de Música Colaborativo, uma iniciativa do Sarau do Solar da Assembleia Legislativa RS, em parceria com a Sedac ,por meio do Instituto Estadual da Música, Fundação Theatro São Pedro, Associação Pró-Música de Porto Alegre e Coletivo RS Música Urgente. A programação segue com a previsão de concertos mensais. Para mais informações e ingressos, basta acessar o orquestratsp.com.br. 

Tobias Araújo

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