O renascimento da noite de Porto Alegre

Espaço 512 reabriu ao público (Foto: Arquivo pessoal Espaço 512)

Em um dos momentos mais críticos da história do Rio Grande do Sul, a vida noturna da Capital parou no mês de maio, devido às enchentes que devastaram cidades e inundou parte de Porto Alegre. A cidade conhecida por sua vibrante vida noturna, seja na Cidade Baixa ou, no 4° Distrito viu seus bares e casas de shows fecharem as portas, imersos em lama e águas turvas.    

No entanto, à medida que as águas recuaram, surgiu um espírito de resiliência, exatamente como durante a pandemia da COVID-19. O mês de junho trouxe o começo da recuperação e um certo renascimento cultural. A volta dos shows e eventos noturnos, simboliza a determinação dos moradores de Porto Alegre em se reerguer. 

A volta dos artistas 

Para muitos trabalhadores, os eventos noturnos são a principal fonte de renda, e com a reabertura dos espaços, os artistas e o público encontraram um novo fôlego.  

“Vários eventos estão voltando, assim como várias casas noturnas. Todo mundo precisa trabalhar, desde o dono do estabelecimento até o segurança. Aos poucos vamos retomando”, afirma Anderson Ribeiro, DJ de uma das bandas gaúchas mais conhecidas e longevas da capital, a Ultramen.   

O artista realizou alguns eventos desde a retomada, inclusive esteve juntamente com Tonho Crocco, vocalista da Ultramen, no sábado, 8 de junho em Igrejinha, para realizar um show no bar Sobrinhos Rock. O ingresso custou R$ 10,00 + 1kg de alimento, com a iniciativa de arrecadar mantimentos para a cidade, que teve 70% da população atingida pelas águas da chuva. 

DJ Anderson e Tonho Crocco em apresentação em Igrejinha (Foto: DJ Anderson/Arquivo Pessoal) 

‘O que mais floresce é o amor’ 

Desde sua estreia em 5 de agosto de 1973, o Fantástico, também conhecido como “O Show da Vida”, se consolidou como um dos programas mais icônicos e influentes da televisão brasileira. No programa do dia 12 de maio de 2024, na maior parte do tempo foram exibidas diversas notícias e reportagens sobre as enchentes no Rio Grande do Sul.  

Segundo um levantamento da Kantar Ibope Media, o programa alcançou 17 pontos de audiência, o que representa aproximadamente 11 milhões de pessoas. No término do programa uma homenagem foi realizada por artistas gaúchos. 24 músicos, de gerações e estilos diversos realizaram a gravação da canção “Céu, sol, sul, terra e cor”, música que enaltece o amor gaúcho por sua terra e sua cultura. 

Confira o clipe da música “Céu, sol, sul, terra e cor”:

24 músicos gaúchos realizaram a gravação da canção “Céu, sol, sul, terra e cor” (Reprodução: Youtube)

DJ Anderson foi um dos artistas que participarem do clipe. Ele conta que a produção do Fantástico entrou em contato com a produção da banda Ultramen para ser um dos representantes na música. Por ter que realizar a gravação em apenas um dia, Anderson foi o escolhido para participar.  

“Foi muito lindo, sou muito grato ao projeto, pois, através dele foi possível divulgar ao Brasil todo a situação do Rio Grande do Sul, um momento solidário e que através da música e da cultura todos puderam enxergar a gravidade da situação”, finaliza DJ Anderson.  

DJ Anderson participa do clipe exibido no Fantástico, em homenagem ao RS (Foto: Reprodução G1.com)

A recuperação dos locais 

A recuperação dos espaços culturais não está sendo uma tarefa fácil. Muitos locais sofreram danos significativos, o Auma bar, localizado no 4° distrito foi um desses casos.  

O bar foi inaugurado em dezembro de 2022, e conta com cerca de 20 funcionários. O espaço, conhecido pelos shows de pagode ao vivo aos domingos, bem como as animadas músicas eletrônicas, de funk e trap reproduzidas por DJs, deixou de fazer a alegria dos seus frequentadores, desde que a enchente assolou parte de Porto Alegre.   

“Vivemos em um pesadelo, mas graças a Deus parece estar chegando ao fim”, afirma o proprietário do bar, Diego Oliveira, em suas redes sociais. A reabertura foi celebrada no sábado, (8) de junho, reunindo músicos que tocavam no local antes das enchentes, como o cantor Jader Lewis, que animou a retomada do bar com seu show de pagode.  

Gabriel Neves, 22 anos e servidor público, é frequentador assíduo do local e comemorou a retomada: “Agora com a reabertura, pretendo voltar lá, ver como anda a estrutura e aproveitar um pouco”. Ele, ainda, relatou que antes das enchentes a atmosfera do local era o que o diferenciava de outros bares. “Sempre alegre e bacana, dava vontade de voltar, principalmente, aos domingos, quando tinha pagode ao vivo”, ressalta o jovem de 22 anos.  

Outro bar que foi atingido pelas enchentes é o Drop MusicBar, localizado na Rua General Lima e Silva, coração da Cidade Baixa, um dos bairros mais boêmios da cidade. O bar contava com um estúdio de tatuagem, food trucks e música ao vivo nos finais de semana, além de realizar as transmissões de jogos de futebol da dupla Gre-Nal e na época da Copa do Mundo, da Seleção Brasileira. possuía cerca de 2 anos e contava com 6 funcionários, além de Edgar Skavinski, proprietário do local. 

Empresário e produtor de eventos, Edgar, 25 anos, conta que já estava pensando em colocar para venda o bar, ou devolver para a imobiliária. Porém, por conta das enchentes esse processo acelerou e o empresário acabou entregando o ponto. Antes de entregar o estabelecimento, Edgar e seus amigos retiraram os móveis do local e abriram as portas para abrigar cães resgatados de locais que estavam inundados.  

“Estava em casa vendo todas as notícias e me sentindo impotente. Vi que uma amiga publicou em seu Instagram que tinha resgatado sete cachorros e precisava de um lar temporário, avisei que podia levar os cães para o bar e fomos recebendo os animais, quando a gente percebeu em apenas um dia aberto, estávamos com 65 cachorros na Drop”, comenta Edgar.  

Drop Bar abriu suas portas para receber cães resgatados. (Foto: Arquivo pessoal/Edgar Skavinski) 

Com os dias passando, a Cidade Baixa acabou sendo atingida pelas águas também. Isso porque por medida de segurança, a estação de bombeamento de água pluvial (Ebap) 16, que fica perto da Rótula das Cuias, teve a energia desligada. As Ebaps servem justamente para conter inundações ou alagamentos em áreas baixas da cidade. 

Em razão do avanço da água nos bairros Menino Deus e Cidade Baixa, o estabelecimento teve que ser evacuado. Edgar precisou retirar os cachorros do bar e levar para um local seguro. A Associação de Moradores no bairro Jardim do Salso recebeu os animais. Em seguida, Edgar entregou o espaço e, por enquanto, irá trabalhar como produtor de eventos em casas noturnas.  

 “Aos poucos a vida noturna está voltando à normalidade, os eventos que produzo para a casa noturna HYPE, na Cidade Baixa, voltaram no início do mês. Outros eventos que eu estava trabalhando foram adiados, como, por exemplo, o show do MC Ph, que seria dia 21 de junho, bem como o show do MC Hariel e DJ GBR tiveram que ser remarcados por conta da enchente.”, explica o empresário.

Drop Bar antes das enchentes (Foto: Arquivo pessoal/ Edgar Skavinski) 

Resistência 

        Para muitos, a volta dos shows e de eventos noturnos simbolizam mais do que apenas entretenimento. Representa a resistência da cultura em Porto Alegre, uma cidade que, mesmo diante da adversidade, encontrou forças para se reerguer.  

Localizado na Cidade Baixa e conhecido por sua diversidade cultural, o Espaço Cultural 512, surgiu em 1999 quando um grupo de amigos decidiu criar um ateliê de arte na Rua João Alfredo, 512.  Em 2006, o local foi revitalizado e abriu suas portas para o público, com capacidade para 400 pessoas. Desde então as noites no Espaço Cultural 512 promovem a diversidade cultural e a arte independente em Porto Alegre. Em maio, o local acabou sendo atingido pela enchente, cerca de 1,5m ficou completamente inundado.  

“O impacto das enchentes para o 512 foi enorme. Tivemos perdas entre 200, 250 mil reais considerando avarias. Perdemos insumo, material, obras de artes, mobiliário, equipamentos. Se for considerar o faturamento também, passa dos 300 mil reais. Considerando o tempo, 35 dias fechados”, ressalta o proprietário do local, Guilherme Carlin. 

Ele reforça que o histórico de alagamentos na região, acaba desmotivando nesse momento de retomada: “Além do financeiro, tem um impacto muito maior, talvez, motivacional, psicológico, emocional. Porque ficamos muito inseguros em seguir investindo e trabalhando em uma região que é atingida por frequentes alagamentos. Não nesse nível como tivemos, mas que mesmo menores, ainda são preocupantes e causam prejuízo.”. 

O Espaço Cultural 512 teve estragos em sua estrutura, afetando o funcionamento do bar. Antes das enchentes o local abria de quinta a domingo, agora, a abertura está sendo de sexta a domingo, assim, Guilherme e sua equipe conseguem realizar as manutenções necessárias. “Ainda temos que arrumar o telhado, a limpeza das paredes que continuam úmidas, algumas paredes ainda estão com fungo. A abertura de maneira gradual é para ter mais tempo para fazer esses ajustes”, complementa o proprietário. 

Após a água baixar, foi assim que Guilherme encontrou o Espaço Cultural 512 (Foto: Arquivo pessoal/Guilherme Carlin) 

Guilherme reforça que os próximos passos são conseguir um certificado que identifique o local como um ponto cultural. Para isso, umas das ideias é formalizar uma associação entre diversos parceiros, artistas, produtores, professores e educadores para certificar e oficializar que o espaço é um ponto de cultura. Dessa forma eles terão acesso aos editais específicos para linhas de crédito através do Ministério da Cultura. 

Outra forma para manter o Espaço Cultural 512 foi a criação da campanha “Apoia-se”, onde o interessado realiza a compra antecipada de benefícios. O valor começa em R$ 20 podendo chegar até R$ 1000. Entre as vantagens estão; ingressos para festas, drinks, acesso ao local sem filas, reservas gratuitas para eventos privados, entre outros brindes variados.  

Apesar do apoio à campanha de arrecadação, as metas estipuladas ainda não foram atingidas, o que causa preocupação e temor de encerrar as atividades no local. “Acreditamos que dificilmente atingiremos a primeira meta que é de R$ 50 mil, até o momento estamos com apenas R$ 20 mil, isso vai dar um pouco mais de 35%, o que não garante a sustentabilidade do negócio”, conta Guilherme.  

Diante dessa realidade desafiadora, Porto Alegre vê seu renascimento noturno e cultural de forma lenta e gradual. No entanto, a comunidade local demonstra uma determinação em lutar pela reconstrução desses pilares essenciais para a cultura, buscando encontrar novos motivos para sorrir novamente.

*A equipe de reportagem tentou entrar em contato com a Secretaria Municipal de Cultura e Economia Criativa durante a semana, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.*

Dominik Machado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Leia também