Economista-chefe da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) há 15 anos, Antônio da Luz também é CEO da Agromoney – Assessoria Econômica. Desde a economia mundial até a economia municipal, Antônio, que também é mestre e doutor em Economia, dissertou sobre diversas áreas do conhecimento em entrevista concedida à Beta Redação em 25 de setembro, na sede da Farsul.
A partir da vivência de anos de trabalho, ele apresenta, a seguir, sua visão sobre a agricultura e o clima no Rio Grande do Sul, o que precisa ser feito para que os resultados sejam ainda mais positivos e também sobre as mudanças climáticas.
Este ano foi atípico por diversas razões, mas a maior delas foi por conta da enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio. Quais são as projeções, do ponto de vista econômico, de curto, médio e longo prazo para a área, tanto no geral quanto na agricultura?
Vamos começar com o Rio Grande do Sul. Primeiro deixa eu dar um passo atrás, aliás, vou dar dois passos atrás. A Farsul, embora ela seja uma “Federação da Agricultura”, defende os interesses dos produtores rurais, é para isso que ela serve. Ela é, antes disso, uma entidade empresarial. É lógico que o nosso foco é setorial, não há dúvida. Mas nós não podemos olhar só para a árvore, a gente tem que olhar para a floresta, porque as coisas não funcionam somente no nível da árvore. Não adianta eu desenhar uma política pública voltada para o produtor rural, e ao mesmo tempo as coisas estão caindo, desabando, para o nosso consumidor. Não adianta. As coisas estão conectadas. Então a gente tem também esse olhar, esse viés de olhar para a sociedade como um todo e defender os interesses do mercado, da produção, do consumo, para que as pessoas possam produzir mais, possam consumir mais, ter mais bem-estar e viver melhor.
Olhando para isso e partindo desse pressuposto, nós temos uma enorme preocupação com o Rio Grande do Sul, porque o Rio Grande do Sul já não vem bem. Ele não vinha bem antes das enchentes. As enchentes foram um evento dramático do ponto de vista pessoal, uma catástrofe humana, mas do ponto de vista econômico, não foi ela que nos trouxe esse problema. Quando a gente anda por outros estados, fica muito visível o nosso atraso. Então, para termos uma ideia, o Rio Grande do Sul vem com um nível de atividade econômica semelhante ao que nós tínhamos 12 anos atrás. O nosso atraso é muito maior. Uma parte desse atraso se deve ao Brasil estar atrasado também. O Brasil, a atividade econômica brasileira, está lá no nível de 2014, 2015.
Tentar entender o que está acontecendo no Estado acho que é a grande chave, porque senão ficamos sempre culpando um evento fora da nossa capacidade de gerir. Ora é uma estiagem, ora é uma enchente, e isso vai levando as pessoas, a sociedade, vai embretando elas para pensamentos simplistas com respostas simplistas. Por exemplo, se eu sofro com estiagem, então eu tenho que produzir outras coisas. A gente tem que produzir outras coisas. Mas eu não tenho que fazer escolhas, eu tenho que produzir de tudo. Agora, o fato é que a maior indústria em faturamento no Rio Grande do Sul é a indústria de alimentos.
A agricultura sente pela falta de investimentos e endividamento do Estado? Tu achas que é mais prejudicada?
Sente. Eu não sei se é mais ou se é menos, mas ela é bastante prejudicada. O Brasil hoje é o maior exportador líquido de alimentos do mundo. O que isso significa? Significa que o planeta não vive mais sem o Brasil. O mundo não funciona mais sem o Brasil. Existe meia dúzia de países sem os quais o mundo não funciona como ele funciona hoje, e o Brasil virou um deles. Isso nos dá uma baita de uma responsabilidade, porque alimentar o mundo, contribuir com a alimentação de terceiros, é uma responsabilidade imensa, porque a maior parte das guerras na história da humanidade surgiram por causa de comida. Então nós temos um papel muito relevante, mas não sabemos lidar ainda com esse papel. A gente não sabe o que fazer com esse poder que a gente adquiriu, tanto é que a gente não debate em questão eleitoral. Nós somos aquele cara que cresceu e não sabe o que fazer com a musculatura. E o estado do Rio Grande do Sul começou tudo isso, ele começou a ser grande no desenvolvimento do agro brasileiro. Até 1997, o Brasil era um país que importava comida. Parece mentira. Nós dependíamos dos outros para comer e agora nós somos o maior exportador. Isso tudo aconteceu a partir de algumas questões. Primeiro, tecnologia. Tecnologia brasileira, que nós criamos. E essa tecnologia não foi criada no campo, foi criada na cidade. Por isso que não existe nós do agro, do campo, só existe nós. Nós do agro, do campo e da cidade. Nós fomos criando isso ao longo do tempo, e este laço, essa união entre campo e cidade para produzir cada vez mais e melhor, nos gerou competitividade. Primeiro nós ganhamos o mercado brasileiro, que era inundado de produtos importados. Depois que a gente aprendeu a ganhar o jogo em casa, nós fomos ganhar o jogo lá fora, e hoje nós somos o principal player do mundo.
Mas pensa comigo, um produto ser de Passo Fundo, ele vai ter que ir de caminhão até o Porto de Rio Grande. Isso é um absurdo. O caminhão não foi feito pra fazer essa distância, o caminhão é pra fazer 100, 200 quilômetros, e fazer ida e volta várias vezes no dia. Mas ele é feito para fazer trechos curtos. A gente produz uns 40 milhões de toneladas no estado no ano. Sabe quanto que um caminhão grande carrega? Grandão, grandalhão: 50 toneladas. Então eu preciso de 800 mil viagens de caminhão. Pensa que cada carreta vai ter 25 metros, mais um metro de distância, uma da outra, nós estamos falando de 20.800 km de caminhão. Só no estado do Rio Grande do Sul.
E ainda assim, o Brasil consegue competir.
E ainda assim a gente compete. Se nós tivéssemos a eficiência logística que têm os americanos, nós iríamos ganhar muito, muito, muito mais dinheiro. Aí, sabe o que ia acontecer? Nós iríamos investir muito mais. Aí, nós teríamos muito mais empresas. Nós iríamos ter muito mais empregos, os salários seriam muito mais altos. Então, por que a gente não faz esses investimentos? Porque não tem dinheiro.
Então, desse jeito, eu estou te dando um exemplo, o agro é muito impactado. Quando a gente olha para as estradas do Rio Grande do Sul, a gente não se dá conta, mas experimenta um dia olhar o mapa rodoviário do Rio Grande do Sul. Tu vai levar um susto. Olha, quando tu estiver na estrada, numa rodovia, a quantidade de estradas que chegam nela. Essas estradas, que são as vicinais, não têm pavimento. São de chão. Essas estradas são 77% de toda a malha rodoviária do estado. E a soja não sai na BR-116 e nem na Tabaí-Canoas. Ou seja, 77% de todo transporte de grãos se dá nessas estradas, que não têm nem pavimento.
Recentemente, a Expointer teve um resultado, apesar de tudo, positivo, cresceu 1,4% em comparação com o ano passado. Como os agricultores, a economia, tiveram que se reinventar para poder proporcionar essa feira e ter o resultado citado? Como foi essa preparação e como você avalia esse resultado?
Eu não quero focar muito no resultado da feira, porque aqueles números são questionáveis. Mas existe uma coisa que não é questionável: o registro do Banco Central. Por ano, os produtores gaúchos investem R$ 11 bilhões em máquinas, equipamentos etc. O governo do Estado do Rio Grande do Sul, em média, investe R$ 800 milhões. Num ano melhor, R$ 1 bilhão. Ou seja, o governo do Estado leva 12 anos, mais ou menos, para investir o que os produtores gaúchos investem em um. Então, é um eterno reinvestimento. Porque se o produtor não fizer isso, ele fica para trás tecnologicamente. Existe uma corrida tecnológica, e quem ganha a corrida tecnológica ganha o mercado. Porque como nós somos ineficientes com a nossa infraestrutura logística, a gente tem que ser mais eficiente para produzir, senão a conta não fecha. Então, os produtores têm investido muito em tecnologia. Uma máquina agrícola é pura tecnologia. Uma máquina custa R$ 2 milhões, R$ 3 milhões. Mas aquilo ali é pura tecnologia, que vai gerar a produtividade que vai para lá naquele grãozinho produzido, que vai agregando valor pela tecnologia toda que carrega. Então, a nossa produção, ela não é… as coisas não brotam do solo, elas têm que ser produzidas, e hoje o Brasil é um exportador também de tecnologia, porque nós geramos muita coisa aqui.
Quer outro exemplo? Qual foi o maior investimento da história do Rio Grande do Sul? CMPC.
Sim, teve há pouco.
Não, teve lá atrás.
Mas agora vai ter também.
Vou chegar lá. A CMPC, aqui, foi duplicada em Guaíba. O maior investimento da história do Rio Grande do Sul. Nós tivemos um outro anúncio agora, uma nova unidade a 30 km dali em Barra do Ribeiro. O que faz a CMPC? Celulose, que vem do eucalipto. O que é a produção de eucalipto? Silvicultura, que é um ramo da agricultura. Agricultura é tudo. Eu tenho ramo agrícola, produção de grãos, de fibras etc. Eu tenho ramo pecuário, porque a agricultura pecuária é agricultura, e eu tenho a silvicultura. Por isso que a gente chama de atividades agrossilvopastoris, que é a produção de grãos, fibras, oleaginosas, cereais, a produção de gado, de animais, e a produção de árvores. Então, o maior investimento da história do Rio Grande do Sul já feito é no agro. O maior anúncio que vai se operar é do agro de novo.
Por que estão botando mais investimento em Barra do Ribeiro? Porque a gente exporta. Por que a gente exporta? Porque a gente é competitivo. E por que a gente é competitivo? Porque a gente consegue produzir mais barato do que os nossos concorrentes. Porque nós somos bons. Nós somos bons. Nós estamos acostumados a ser vira-lata, mas nós não somos vira-lata, nisso nós somos bons. Isso a gente faz bem, não perdemos para nenhum país do mundo.
Agora teve a mudança climática, passando do El Niño para o La Niña. Qual é a previsão disso? Sei que anos passados vieram de estiagem, que cada período climático traz uma dificuldade nova. Como diferenciar isso? É muito perceptível ou, como tu comentou, os agricultores, quem produz, já está se adequando a essas mudanças e produzindo um pouco de tudo?
Em primeiro lugar, vamos pensar antes das mudanças climáticas, ou da aceleração das mudanças climáticas. Mudança climática sempre teve. Agora, o estado do Rio Grande do Sul tem um determinado regime, que é diferente da maior parte do Brasil. Quem está abaixo do trópico de Capricórnio não está no país tropical. Somos um país subtropical. O país tropical começa acima do trópico. Quem está acima do trópico tem um período claro de chuvas, que chove todos os dias, e um período de seca que não chove uma gota durante dois, três meses. Assim é o Brasil tropical, em que é a maior parte do país é assim. Quem está no subtropical convive com chuvas, com períodos de chuvas e falta de chuvas, o ano todo.
Nós sabemos que produzir no subtropical tem alguns desafios. Porque não é que deixe de chover, nunca para de chover no Rio Grande do Sul. O problema é que às vezes fica 30 dias sem chover num período que não pode, porque é um período de floração ou de enchimento de grãos. Quando estia ali, do meio de dezembro até o final de janeiro, acabou a safra gaúcha. Só que às vezes nós temos estiagens. Estiagem não é seca, seca é quando não chove. Aqui chove.
A gente tem registros de estiagens enormes, desde o início do século passado, desde que se coleciona dados do Rio Grande do Sul se tem esses eventos. A gente sabe que a cada dez anos, no mínimo, uma nós vamos ter. A gente sabe que é assim. Este é o clima do Rio Grande do Sul. Se adapte a ele. Não tem muito o que fazer. Agora, como é que eu me adapto a ele? Botando mais irrigação.
O Brasil tem só uma legislação ambiental, que vale para o Rio Grande do Sul e vale para o Amazonas. Isso é uma maluquice, porque são climas totalmente distintos. São geografias completamente distintas, eu não posso tratar desiguais igualmente. Então aqui no Rio Grande do Sul a gente deveria ter uma legislação que fosse mais adaptada às nossas necessidades de um estado subtropical. Eu não posso carregar aqui regras que para a Amazônia fazem sentido, para nós não faz sentido.
Só que tem um outro detalhe. A ampulheta está virada. Porque as mudanças climáticas estão aí, só não enxerga quem não quer. E as mudanças climáticas são causadas pelo homem, sim. Certamente existem outros fatores, porque a terra tem um monte de ciclos registrados, e eles aconteciam sem a gente. Agora, com a gente, nós estamos estourando tudo quanto é ciclo.
Só que quando a gente olha a poluição que está gerando o efeito estufa e as mudanças climáticas mais significativas, que papel tem o Brasil nisso? Que papel tem a China nisso? Que papel tem os Estados Unidos nisso? Que papel tem a União Europeia nisso, que cobra muito da gente? Aquilo é uma cloaca. Aquilo, a zona do Euro, polui horrores. Mas só sabem cobrar dos outros. Para eles próprios, não.
Nós aqui no Rio Grande do Sul estamos causando isso? Onde é que nós estamos poluindo? Nós aqui, por exemplo, tínhamos no Brasil, no estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, muitas indústrias que eram altamente poluidoras. A gente não tem mais, por conta das regras ambientais. A gente deixou de ter a riqueza que elas geravam para não ter a poluição que elas geravam. A própria CMPC teve que investir horrores nos filtros deles, porque Porto Alegre era um fedor. Era uma poluição terrível, hoje não tem mais. Eles podiam ter duplicado a fábrica naquela época ao invés de ter posto filtros. Se tivesse duplicado a fábrica, tinha produzido muito mais. Não fez, por razões ambientais. Ótimo, é isso mesmo. Mas a Europa não está fazendo isso. A China não está fazendo isso. Estados Unidos não está fazendo isso. Eles nunca colocam os interesses ambientais na frente dos econômicos. A gente bota. A gente tem problema? A gente tem problema. Mas a gente tem muito mais solução do que problema. Só que quem está perdendo mais com as mudanças climáticas somos nós. Europa não perde com estiagem como a gente perde, Estados Unidos não perde, China não perde, nós estamos perdendo. Então, as mudanças climáticas são problemas nossos, sim, porque nós estamos perdendo com isso. Nós estamos sendo prejudicados, e são os grandes países que estão fazendo.