Gustavo Mota completa 50 anos de jornalismo em janeiro de 2026. Ele é uma referência para todos os jornalistas que cobrem a política regional e nacional. O profissional começou a carreira em 1976 na TV Difusora (atual Bandeirantes), ainda estudante da Unisinos.
Mota integrou a primeira equipe de reportagem da TV Guaíba (hoje Record) nos anos 1980. Na emissora, se destacou como setorista político e apresentador do programa de TV Espaço Aberto, mediando debates históricos entre candidatos à prefeitura de Porto Alegre e ao governo do Rio Grande do Sul.
Desde 1987, trabalha como jornalista no Parlamento Gaúcho. Em 1995, Gustavo Mota criou a rádio da Assembleia. Nos anos 2000, o espaço de comunicação passou para o ambiente virtual se transformando na primeira rádio web de um poder legislativo estadual no Brasil.
Em 1988, atuou como chefe de imprensa da Comissão de Sistematização da Constituinte Gaúcha durante o período da consolidação da Carta Magna do Rio Grande do Sul. Há 13 anos, apresenta o Réplica e Tréplica, na TV Assembleia, programa que promove discussões de 20 minutos entre deputados sobre temas locais, nacionais e internacionais.
O jornalista também é um estrategista em campanhas eleitorais, participando de todas as disputas majoritárias no estado desde a redemocratização, incluindo eleições para governo estadual, Senado, prefeitura de Porto Alegre e cidades do interior.
Além das campanhas, Mota foi colunista substituto no Correio do Povo e um dos primeiros jornalistas da Revista Voto em 2003. Em sua carreira, o repórter narrou momentos cruciais da história política brasileira como a redemocratização e a evolução do cenário político gaúcho. Em 49 anos de carreira, Mota noticiou as ações de 10 presidentes, 13 governadores e 11 prefeitos da capital gaúcha.
Sua capacidade de aliar jornalismo político a estratégias eleitorais o tornou um “arquivo vivo” da história, ainda em plena atividade.

Numa terça-feira ensolarada, ele recebeu a equipe da Beta Redação no Estúdio Multimídia Pedro Carneiro Pereira, no Palácio Farroupilha. Durante a entrevista, o jornalista detalhou sua jornada como repórter e fez análises das transformações políticas brasileiras.
O que fez você se tornar jornalista?
Eu tinha a noção que essa profissão ajuda, ela é importante para construir uma sociedade melhor. Virei jornalista porque queria ajudar a construir uma sociedade melhor. Queria ajudar a melhorar as condições da população. Foi isso que me levou a ser jornalista, ainda na época da ditadura. Na verdade, eu queria ajudar a construir uma liberdade.
Quem era sua grande referência quando jovem?
Minha referência quando jovem era Erico Valduga. Ele trabalhava como colunista do jornal Folha da Tarde. Ele tinha muita coragem para perguntar. O Valduga era tudo que eu queria ser quando eu comecei. A nível nacional eu adorava o Ricardo Boechat, falecido. O Ricardo Noblat também é um jornalista exemplar.
O que faz um bom jornalista político?
Eu acho que o jornalismo é inato na pessoa. A gente não aprende na faculdade o jornalismo. Aprende as regras. O que deve ser feito, não deve ser feito. Na verdade, se aprende a operacionalização do jornalismo. Agora o fazer jornalismo depende de ti. O que faz um bom jornalista é ser bem informado, ter respeito, mas ter coragem. Você não pode deixar que as autoridades te ganhem no grito. É preciso ter coragem de guiar teu espaço. Não ter medo de perguntar. E, mais que tudo, o jornalista tem que ouvir para poder perguntar.

Como era para você a ditadura?
A ditadura, toda a ditadura, ela tem só um lado e não existe lado bom, apenas para aqueles que apoiam. Para eles não tinha ditadura. Tinha ditadura para os adversários do regime.
Como foi trabalhar no período militar?
Nesse período, a gente conseguiu, durante muito tempo lutando contra a ditadura, a anistia. O jornalismo foi fundamental neste processo. Era tudo proibido. A gente tinha que fazer nas entrelinhas. Tinha coisa que não saía. A gente ia lá fazer e não saía. Aquelas greves, aquelas manifestações estudantis não saíam, mas a gente ia igual porque de tanto a gente bater, a gente conseguiu a chamada abertura e depois a democracia.
Como era trabalhar com censura?
A censura é terrível. Porque o que havia era censura prévia. Na TV Difusora, tinha matérias que a gente era proibido de fazer. E outras, tu tinhas que mandar para eles o programa, o espelho do programa e eles censuravam, mas a gente sempre dava um jeito de driblar a censura. Éramos obrigados a usar a criatividade, para poder mandar recados para a população. Vou te dar um exemplo. Tínhamos um programa e um dia eu botei no texto: você que vive preso também na ditadura do relógio deve ir para a praia e esquecer do relógio. Aí me chamaram na polícia e me perguntaram: “Por que também é ditadura do relógio?”. Eu me fiz de bobo. Outro exemplo:botamos a música do Chico Buaque que falava “mesmo com toda lama, com toda brama, a gente vai levando”. Essa música era uma crítica à ditadura e isso passou desapercebido. Então essas coisas a gente ia conseguindo driblar. Ou, tipo, a gente tinha a notícia internacional. E colocávamos a notícia assim:caiu a ditadura militar. Ponto. Na Tanzânia
E como eram as coberturas internacionais?
No meu tempo de juventude, a gente fazia coberturas internacionais in loco. Eu me lembro de cobrir os sequestros dos uruguaios, pelo regime militar, durante a ditadura, mas o que mais me impressionou foi a devoção dos argentinos de esquerda pela Evita Perón. Parecia que ela era uma iemanjá. Eles se ajoelhavam perante o quadro dela. Para mim, a comparação do Lula com Perón é totalmente descabida depois do que eu vi lá.
Você acredita em imparcialidade no jornalismo?
Ninguém é imparcial, porque todos têm um lado. Mas é preciso ser honesto intelectualmente e não deixar suas opiniões pessoais atrapalharem a reportagem, nem favorecer ou prejudicar entrevistados. Cada um deve ter espaço para falar sua verdade. É preciso desconfiar de quem se diz imparcial, porque isso pode esconder interesses. Um jornalista de verdade coloca os fatos em primeiro lugar, é transparente e luta por uma sociedade mais justa e próspera.

Como foi a reabertura política?
A gente começou a sentir que a democracia estava chegando durante o governo Figueiredo, que foi o último governo militar. Antes dele, nas coberturas, os milicos te davam cotovelaço. Nesse governo, eles nos mandavam tirar as câmeras e a gente as mantinha e colocava no ar. Eles já estavam desistindo de censurar.
E como foi o movimento das Diretas Já?
Foi o grande movimento. Houve uma comoção geral para restabelecer a democracia. A única emissora no Rio Grande do Sul que transmitiu os comícios das diretas ao vivo, à noite, foi a TV Guaíba, quando eu estava trabalhando lá. E eu transmitia, tenho orgulho disso. É a coisa mais legal que fiz. Quando terminou, eles soltaram aqueles balões, aquelas pombas para cima. Eu estava no edifício ali bem na frente de uma marquise ali. Eu gritei: boa noite, Diretas Já. Botar as Diretas Já no ar foi uma coisa indescritível. Para mim, foi quase como um orgasmo jornalístico. Foi a única, porque a Globo, na época, apoiou a ditadura.
Como foi trabalhar na constituinte?
A Constituinte foi o carimbo de que realmente o Brasil tinha voltado à democracia. Nesse período, o país se encontrou. Havia deputados de todos os partidos. O PT estreou aqui com a bancada dele. Nesse período foram feitas todas as leis que balizaram a democracia e as relações de sociedade que a gente tem hoje. Ela foi um avanço democrático. Um carimbo da democracia. Teve coisas erradas. Deu muitos direitos e não tinha dinheiro para garanti-los, mas foi um movimento que acabou com a ditadura.
Em que área, você trabalhava na época?
Eu trabalhei na época que eu fui coordenador da Comissão de Sistematização. Na Comissão, os deputados apresentavam diversas propostas de leis. O órgão apreciava e sistematizava as parecidas e não parecidas e dava o parecer. Nesse período, eu vivi todos os embates entre esses temas todos. O Mendes Ribeiro Filho, era o relator, também participavam os então deputados Carlos Araújo, José Fortunati, Athos Rodrigues. Então estava bem representada a Comissão com todas as ideologias. Eu lembro que o Mendes Ribeiro e Carlos Araújo trabalhavam juntos madrugada adentro.

Como foi a experiência de ser diretor da Comunicação da Assembleia Legislativa?
A Rádio Assembleia fui eu que fundei, em 1987. Ela é a menina dos meus olhos, eu tenho muito orgulho dela. Depois, ela foi a primeira radioweb das Assembleias Legislativas do Brasil. Eu trabalhava muito, fazia cobertura aqui e na Rádio Guaíba ao mesmo tempo. Na época, na iniciativa privada não era necessário ter carga horária, então eu conseguia fazer essa cobertura dupla. Dito tudo isso, eu fiquei 21 anos na Rádio, mas não tenho a vaidade de me deslumbrar por ser diretor. Eu sou jornalista e trabalhava na cobertura como se fosse um funcionário normal. Meu maior orgulho era ter uma equipe de oito estagiários que eu pude passar um pouco de experiência.
Qual o maior momento que você reportou?
Aqui na Assembleia, eu reportei muitos casos. Um dia, a polícia entrou e jogou uma bomba de efeito moral dentro do Plenário durante uma sessão solene em comemoração ao golpe militar. Também reportei o MST acampado na frente da Assembleia Legislativa durante uns dois meses. Mas o meu maior momento foi quando eu fui premiado por uma reportagem sobre a Gangue da Matriz, que matou o adolescente Alex Thomas. Para mim, esses foram meus maiores momentos.
Você chegou a trabalhar em Brasília?
Fui convidado pela Bandeirantes. O Fernando Guedes me chamou para trabalhar lá, mas eu trabalhava na Rádio Assembleia e na Rádio Guaíba. Meu salário era muito bom e eu tinha família, então optei por ficar por aqui. Eu sei que essa decisão me estagnou profissionalmente, mas essa é uma escolha da qual eu não me arrependo.
Quais as principais mudanças da cobertura política atual?
A questão da tecnologia modificou bastante. Antigamente, todas as gravações eram numa câmera enorme, o gravador era enorme. Tudo era cheio de fios. Com o celular e os computadores é possível gravar e reportar de uma maneira muito mais rápida. Na minha opinião, o que falta atualmente para essa nova geração é informação dos novos jornalistas. Falta preparo. O jornalista precisa saber um pouco de tudo e isso está faltando.
O que você acha dos políticos atuais comparando com o passado?
As legislaturas as novas são mais técnicas. São políticas, mas são mais técnicas. É uma produção de projetos mais aperfeiçoada do ponto de vista técnico. Os deputados fazem política, mas partem do ponto de vista técnico. No tempo da ditadura, tinha os grandes discursos. A Assembleia Legislativa não tinha grandes prerrogativas, como hoje não tem muito, mas tem mais. Então, o que te restava? Era discursar contra a ditadura. Gritar!

Como você vê a política atual?
Hoje, nesse momento, em função desse embate entre Bolsonaro e Lulismo, me lembra bem na época da ditadura. Na minha visão, a instabilidade começou quando a direita inventou de crescer. E viu no Bolsonaro uma referência e ganhou a eleição. Sempre tivemos governos de centro-esquerda e depois teve o governo de esquerda. E aí a direita cresceu e ganhou. Então virou um maniqueísmo aqui, porque a esquerda não perdoa isso. E aí nós temos essa polarização até hoje. Com o crescimento da direita começamos de novo a ter instabilidade democrática. Hoje ninguém tem mais dúvidas que o STF está passando o limite. Há uma interferência na vida política brasileira. O STF está fazendo política. E quando a justiça faz política não é mais justiça.
Como você vê a polarização?
É uma visão maniqueísta. Isso aí é tudo menos política. É briga de torcida organizada e não é política. A política deveria construir, mas ninguém quer construir. O cara chega lá e usa a democracia contra os outros.
Mas o que mudou nesses 30 anos de democracia?
O Brasil é um eterno loop de mazelas sociais. A saúde é a mesma de quando a gente lutava por saúde há 50 anos. Temos ainda pobreza, fome. Continua tudo igual. No Brasil, o sistema não deixa haver mudanças. Todo mundo que chegar ao poder quer governar para os seus e não quer romper com nada. Como romper? Não tem como. É preciso um povo consciente. Como é que tu vai ter um povo consciente. A educação pública é uma bosta. Os professores são mal remunerados. Quem é que ganha com isso? Quem manda, né? E o jornalismo tem o papel de denunciar tudo isso.
O que você acha dos atuais jornalistas?
Essa geração é mais bem preparada do ponto de vista tecnológico e acadêmico. Já nasceram familiarizados com aparecer na TV, ou falar em rádio e podcasts. Embora a minha geração tenha passado por todos os perrengues, até da máquina de escrever, do gravador, da fita cassete mesmo assim fazia excelente jornalismo. Agora tem muita técnica e pouca informação.

Você enxerga algum etarismo no jornalismo?
Eu trabalho nas campanhas políticas há muito tempo. Hoje, eu percebo que os jornalistas de 30, 40 anos não querem contratar a gente que é mais velho que tem a experiência. Eles acham que a gente está ultrapassado. Acho isso uma balela. Nós temos a vivência, a experiência. Eu fiz diversas campanhas políticas, pois eu tenho uma empresa de publicidade. Eu sempre contrato o pessoal mais jovem que pode me ensinar o que eu não sei sobre a tecnologia.
Um grande debate não precisa ser um longo debate?
Isso foi uma invenção minha, pois eu tinha pouco tempo de programa na época. Então surgiu esse bordão. Meu programa atual tem esse espírito. Um debate curto e rápido em que a entrevista vai e volta. Atualmente, o programa é importante, pois foge aqui da Assembleia. Os deputados que participam podem mostrar todo seu conhecimento do mundo e falar de temas que fogem do Rio Grande do Sul.