Por Barbara Neves, Giordano Martini, Lorenzo Mascia, Maria Victoria D’Olivo e Ramiro Lemos*
O mercado de apostas online no Brasil cresce mais a cada ano. Em 2023, o gasto da população com essa categoria de serviços passou dos R$ 50 bilhões, porém há riscos. Existem diversas denúncias de golpes do “jogo do tigrinho” e de jogadores de futebol acusados de participarem de esquemas que beneficiam os apostadores, além do impacto na saúde mental de quem perde grandes quantias.
O arquiteto Tiago Medeiros, por exemplo, começou apostando por influência de seu irmão mais novo, que sempre foi um grande fã de esportes, e que, às vezes, apostava em suas equipes favoritas, mas sempre com intuito de entretenimento. Porém, Tiago foi mais fundo, começando com um valor fixo de R$ 50 por mês. Com o tempo, ele foi aumentando o valor apostado, chegando a gastar R$ 1.000 por mês somente com apostas esportivas. Quando questionado sobre o momento em que percebeu o vício, o arquiteto revelou que, ao olhar sua conta bancária, notou que o seu dinheiro havia “sumido” a cada vez que apostava.
O gasto mensal dos brasileiros com apostas é de, em média, R$ 263, representando mais de 18% do salário-mínimo, que é R$ 1.412 — o gasto individual em apostas equivale a quase um quinto desse valor. Esse dinheiro poderia ser usado para diversas finalidades, como sessões de terapia de baixo valor, que custam por volta de R$ 80, podendo se fazer três consultas por mês. Outras alternativas são sair para jantar e ir ao cinema ou comprar cinco livros de valor em torno de R$ 50 todo mês. Essas são atividades que auxiliam no bem-estar pessoal, categoria pouco percebida como importante para a população que sofre cada vez mais com problemas relacionados à saúde mental.
Tiago conta que está buscando tratamento com seu psiquiatra, para assim encontrar o melhor caminho para sair desta situação. Os sites das casas de apostas disponibilizam um recurso para “travar” sua conta por um período determinado ou indeterminado. Dessa maneira, o apostador é impossibilitado de apostar naquela casa específica por meio de sua conta. “É preciso ter muita cabeça para apostar e não se viciar. Caso você perceba que está se tornando um hábito muito frequente, peça ajuda para as pessoas mais próximas, como familiares, amigos”, alerta o arquiteto.
Vício em apostas
A psicóloga Miriam Machado Milanez comenta sobre os desdobramentos psicológicos do vício em apostas. Como qualquer outro vício, ele começa como algo inofensivo para a maior parte, como se fosse uma brincadeira, segundo a psicóloga. “O vício em apostas online tem muitas semelhanças com a dependência de substâncias químicas, como a necessidade crescente de apostar, os sintomas de abstinência quando não é possível jogar e o impacto negativo nas relações pessoais, familiares, sociais, profissionais e financeiras”, observa.
Em ambos os casos, Miriam afirma que ocorrem alterações químicas no cérebro devido ao hábito, seja de jogar ou de usar substâncias químicas, levando a comportamentos compulsivos que exigem tratamento intensivo. “Embora possa parecer apenas uma forma de diversão, as apostas online podem ter consequências devastadoras na vida de qualquer pessoa”, reforça.
Impacto econômico
As chamadas “bets” foram regulamentadas no Brasil pela Lei 14.790/23, sancionada em dezembro de 2023. A norma tributa empresas e apostadores, define regras para a exploração do serviço e determina a partilha da arrecadação, entre outros pontos. O projeto também prevê travas contra a compulsão.
No mercado brasileiro, o setor de apostas se consolidou como patrocinador master dos principais times de futebol no país. Dos 10 maiores valores de patrocínio do esporte, oito advém de casas de apostas. A PixBet investe R$ 85 milhões somente no Flamengo, mais da metade da arrecadação total do mercado, se tornando uma das principais fontes de receita dos clubes. Antes limitado a apenas aparecer nos uniformes, o investimento cresceu tanto que algumas empresas de apostas já nomeiam os estádios e arenas das equipes, como o estádio no Rio Grande do Norte, Arena das Dunas, que agora se chama Casa de Apostas Arena das Dunas, e na Bahia, a Arena Fonte Nova agora se chama Casa de Apostas Arena Fonte Nova.
O assunto gera debates sobre seus impactos financeiros e sociais. As apostas online impulsionam a economia com os valores arrecadados e patrocinam grandes clubes de futebol, canais e eventos esportivos, o que traz retorno financeiro para as próprias empresas, fazendo com que elas cresçam ainda mais. Em contrapartida, há milhares de endividados espalhados pelo Brasil que perderam todo o seu dinheiro em apostas malsucedidas e desenvolveram problemas relacionados à saúde mental, pois têm vergonha de revelar para os familiares e amigos a origem de suas dívidas.
*Reportagem produzida na atividade acadêmica de Jornalismo de Dados (supervisão: Taís Seibt)