Aula inaugural discute “Ainda Estou Aqui” como ação estético-política

Evento realizado no campus São Leopoldo da Unisinos reuniu alunos e professores das Escolas das Humanidades e da Indústria Criativa

Alunos e professores das Escolas de Humanidades e da Indústria Criativa se reuniram, na noite desta quarta-feira, 26 de março, para uma aula inaugural conjunta que teve, como tema, o filme “Ainda Estou Aqui” como ação estético-política. Realizado no Anfiteatro Padre Werner, no campus São Leopoldo, o evento foi mediado pelo coordenador do curso de Jornalismo, Felipe Boff, e teve como painelistas os professores Castor Ruiz, de Filosofia; Márcia Duarte, de Literatura; e Giba Assis Brasil, de Cinema.

A aula foi aberta pelo decano da Escola das Humanidades, Luiz Rohden, e pela decana da Escola da Indústria Criativa, Laura Dalla Zen, que deram as boas-vindas aos presentes. O reitor da Unisinos, Pe. Sergio Eduardo Mariucci, também saudou os alunos e professores na abertura. Ao relembrar a história política recente do Brasil, o reitor destacou o papel das universidades como espaços de diálogo e de reflexão. “Regimes autoritários veem as universidades como um dos seus maiores inimigos”, afirmou.

Alunos e professores das Escolas das Humanidades e da Indústria Criativa lotaram o Anfiteatro Padre Werner, no campus São Leopoldo, para a aula inaugural que debateu o filme “Ainda Estou Aqui” –  BEATRIZ SALLET/BETA REDAÇÃO

Ecos de um passado presente

Primeiro painelista a falar, o professor Castor Ruiz abordou a memória e o esquecimento como aspectos que perpassam o filme. “Um ponto crítico no qual ele se posiciona – e que nos desafia como espectadores – é que o passado não passa simplesmente. Ele nos acompanha”, ressaltou.

Para Ruiz, “Ainda Estou Aqui” contribui para o debate em torno de uma justiça que ainda não foi feita em sua plenitude. “Nenhum presente poderá existir harmonicamente quando não se faz justiça com as barbáries do passado”, afirmou. “As feridas do passado ainda não cicatrizaram, estão abertas. Para que fechem, precisamos fazer justiça”, completou.

Ao citar um projeto de lei que tramita na Assembleia Legislativa de São Paulo – o PL 161/2025 –, Ruiz destacou a luta pela “ressignificação simbólica dos espaços que rendem homenagem à ditadura”. De autoria do deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL), o projeto defende que a Rodovia Castelo Branco mude de nome e passe a se chamar Rodovia Eunice Paiva.

“Nenhum presente poderá existir harmonicamente quando não se faz justiça com as barbáries do passado”.
Prof. Castor Ruiz

Novos olhares para o passado

Segunda a falar, a professora Márcia Duarte citou autores como Walter Benjamin e Jorge Luis Borges para analisar a obra literária que originou o filme. De acordo com ela, o livro “Ainda Estou Aqui”, de Marcelo Rubens Paiva, faz com que a gente olhe para o passado de outra maneira. “Ele nos envolve e nos faz querer permanecer nesta história”, destacou.

Márcia citou o primeiro livro do autor – Feliz Ano Velho, que conta a história do acidente que o deixou tetraplégico – e destacou que, nesta obra, já havia menção ao desaparecimento e à morte de Rubens Paiva. “No Feliz Ano Velho, já há menção, e bem significativa, à morte do Rubens Paiva. Mas não foi neste livro que fomos cooptados pela história dele, e sim no Ainda Estou Aqui”, afirmou.

A professora ainda destacou a relevância da obra literária e da arte, de forma geral, para o fomento ao diálogo e à reflexão crítica. “O que se quer, quando se quer abolir a arte, é que as pessoas sejam assujeitadas, ou seja, que tenham todas a mesma visão e o mesmo foco. É o que vemos nas distopias: pessoas que não podem se diferenciar”, ressaltou. “A possibilidade de olhar para tudo de forma subjetiva é perigosa para os regimes totalitários. Quando ampliamos a nossa visão, somos muito mais difíceis de sermos assujeitados”, complementou Márcia.

“A possibilidade de olhar para tudo de forma subjetiva é perigosa para os regimes totalitários. Quando ampliamos a nossa visão, somos muito mais difíceis de sermos assujeitados”.
Profa. Márcia Duarte

Três atos e dois epílogos

Último painelista a falar, o professor Giba Assis Brasil começou refletindo sobre a memória da geração da qual faz parte. “Éramos crianças quando o golpe militar aconteceu, éramos adolescentes quando o Rubens Paiva foi torturado e morto e estávamos mais perto dos 30 do que dos 20 quando o regime militar acabou. Passamos a infância e a juventude na ditadura”, lembrou. Nesse sentido, segundo ele, uma primeira decisão acertada dos roteiristas foi “afastar” a visão geracional e retratar, no filme, um ponto de vista muito próximo da Eunice.

Ao analisar “Ainda Estou Aqui”, o professor o definiu como uma obra com “três atos e dois epílogos”. O primeiro ato, segundo ele, é a apresentação da família Paiva; o segundo é o que ele chamou de “apresentação do inferno”, quando a casa é invadida, Rubens Paiva é levado e, posteriormente, Eunice e a filha adolescente são presas. O terceiro ato, segundo Giba, começa com a reação de Eunice após a saída da prisão, quando ela decide retornar com a família para São Paulo.

O primeiro epílogo é quando finalmente é emitida a certidão de óbito de Rubens Paiva, em 1996. O segundo acontece no final do filme, quando Eunice, já com o Alzheimer avançado, reconhece uma foto do marido na televisão. Para Giba, a expressão “Ainda Estou Aqui” vale para a memória de Rubens Paiva, para a presença de Eunice mesmo com a doença avançada e, também, para os dias de hoje: “O que o filme não menciona é que os defensores da ditadura também ainda estão aqui. E a luta continua.”

“O que o filme não menciona é que os defensores da ditadura também ainda estão aqui. E a luta continua.”
Prof. Giba Assis Brasil

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