Lojas fizeram rápida adaptação ao digital, mas mercado físico ainda é maior, destaca economista-chefe da Fecomércio-RS

Patrícia Palermo analisa transição no modo de vendas, oportunidades e desafios para as empresas do setor

A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, explica que a transição do varejo tradicional para o mundo digital foi feita de forma “apressada” devido à pandemia da Covid-19. Esse processo, que aconteceria em até 10 anos, ocorreu de forma muito mais rápida.

Apesar de uma parte dessa mudança já ter ocorrido, Patrícia afirma que ainda tem espaço para o crescimento desse mercado de venda digital, principalmente para os pequenos varejos que ainda estão buscando entender melhor como se adaptar a esse novo modelo de vendas .

Além disso, a economista ressalta a necessidade de grandes lojas do mercado virtual internacional terem as mesmas regras que as lojas que estão no Brasil, principalmente na questão envolvendo os impostos que cada um paga. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Beta Redação.

Como as lojas tradicionais (grandes varejos) estão se adaptando a esse mercado de vendas virtual?

Essa transição do grande varejo já aconteceu. Quando a gente viveu a pandemia, foi o salto que a gente deu em termos de adaptação que levaria, talvez, de 5 a 10 anos. A grande dificuldade ainda tá no pequeno varejo, existe uma resistência muito grande e existe uma dificuldade de entendimento de qual é o melhor formato. Porque o pequeno varejo, por exemplo, não é lembrado na hora de um consumidor ir em busca de um produto. Ninguém lembra daquilo que não conhece.

Então, o pequeno varejo tem que entender como vai ser essa postura dele dentro do digital. Se ele vai se estabelecer dentro de um marketplace, se ele vai fazer das redes sócias um veiculo de impulsionamento das suas vendas. Mas o que a gente tem que ter muito claro é que por mais que houve um avanço muito grande do digital na nossa vida, na movimentação de vendas do mercado, o mercado físico ainda é significativamente muito maior que o digital.

Como as empresas planejam a contratação de funcionários pensando no modo de vendas físico e digital?

São dinâmicas diferentes. O que acontece no físico é uma coisa e o que acontece no digital é outra coisa, e o figital [físico e digital juntos] é outra coisa ainda.

Então, quando você tem uma loja física, você tem que pensar muito em espaço, muito no seu ponto, no treinamento daquelas pessoas que estão lá dentro para atendimento, na grade disponível de produtos que você tem ali. Falar muito sobre a questão de espaço de loja, para demonstrar aquilo que você tem para o seu cliente. A questão da vitrine. Então, isso são algumas preocupações que a gente tem. Além, obviamente, de questões relacionadas ao horário de abertura e outras coisas mais.

Quando você vai para a parte do digital, a dinâmica é diferente. Você tem que estar muito mais preocupado na conexão que você faz com o seu cliente, se você está sendo assertivo ou não, na distribuição dos seus conteúdos para chegar no seu potencial cliente. Você tem que pensar em como é que esse seu funcionário vai interagir, se vai haver ou não interação. Precisa pensar muito essa questão da logística. O que você faz quando um consumidor requisita algo de você e depois não gosta, a questão das trocas é muito mais complexa do que no caso físico.

E aí vem o figital. O que é figital? É aquilo que é físico e digital. Porque isso é uma coisa importante. Quando você tem um negócio físico e digital, a gente tem que pensar que é o mesmo negócio. Então, a gente não pode ter uma realidade no físico e outra realidade no digital totalmente desconectada, essas duas coisas têm que conversar.

Aqui no Brasil é muito comum a gente ter uma loja cobrando um preço na internet e outro preço físico, é algo que o cliente não entende. Até porque os negócios parece que se enxergam como coisas diferentes e às vezes apresentam um tipo de competição entre esses dois braços.

Então, entender o seu negócio e entender que cada um deles vai ter a suas especificidades e que têm que ser atendidas as suas especificidades é importante para se gerar resultados mais positivos.

“O problema não é a concorrência, o problema é a concorrência desleal”

Como a diferença de preço do mercado físico e virtual impacta na venda? Já que um dos fatores levados em conta pelo consumidor, normalmente, é o preço mais barato.

Não necessariamente o consumidor vai buscar sempre o menor preço. Isso é uma coisa que a gente tem que ter em mente. A gente vai buscar o menor preço quando os diferenciais não forem significativos. Tem várias coisas que importam e muito, a questão dos serviços associados. Existe muito a importância, por exemplo, da conveniência da entrega. Então, tudo isso entra no jogo, não é só preço a variável fundamental.

Quanto a essa questão de se ter preços diferentes entre canais de vendas diferentes numa mesma loja, isso é uma opinião particularmente minha, que eu acho que é ruim, apesar de eu entender. Eu entendo que o custo de venda dentro uma loja, de um shopping, é totalmente diferente do custo de venda de um produto que fica lá armazenado num galpão e que depois vai simplesmente ser distribuído com a melhor logística possível para chegar na casa do cliente. Existe uma justificativa, a questão toda é pensar até que ponto, por exemplo, as lojas não funcionam como vitrines desses produtos que são vendidos na internet. E até que ponto não valeria a pena rachar esses custos de vitrine com os produtos que também são vendidos na internet. Isso é uma questão que vai ser discutida constantemente dentro, principalmente, dos grandes varejos, e aí você vai ter estratégias diferentes de empresa para empresa.

Mas é certo que o consumidor se questiona como que uma mesma empresa pode estar vendendo o mesmo produto com preços diferentes, se eu compro aqui ou da internet. Mas isso é uma questão muito do Brasil. Por exemplo, nos Estados Unidos, mais especificamente na Europa, quando você vai numa cafeteria, numa lancheria, você tem o preço sentado e o preço em pé. Você paga se você senta à mesa ou se você simplesmente pegar pra levar. Porque você entende que tem um serviço ali vinculado. Talvez um principio semelhante seja esse do comprar na loja versus receber uma compra feita na internet. Existe uma justificativa porque existe uma diferença de custo de operação, mas é uma questão de cultura aqui dentro do país, se a gente vai conseguir cristalizar isso ou se a gente vai acabar migrando para preços únicos.

Patrícia Palermo comenta sobre como muitos pequenos negócios ainda estão aprendendo a se ajustar a esse novo cenário, impulsionado pela pandemia, que acelerou essa transição – GABRIEL JAEGER/BETA REDAÇÃO.

Qual o melhor caminho para as lojas menores? Ter um espaço físico ou focar no virtual?

São propostas diferentes. Quando você pensa num espaço físico você tem um tipo de objetivo, quando você foca única exclusivamente no digital você tem outro objetivo. Existem várias lojas que começaram no físico e foram para o digital e existem lojas que nasceram no digital e foram para o físico.

O que a gente tem que fazer é desenhos de negócios que sejam viáveis e que depois se tornem rentáveis. E essa é que a grande questão, se o negócio é bom, ele precisa simplesmente ter uma estratégia de funcionamento para que se viabilize e se torne rentável. Mas se o negócio não é bom, não interessa em qual ambiente ele vai estar, ele não conseguirá gerar resultado a médio prazo.

“É simplesmente eles cumprirem a regra”

Como se adaptar ao mercado internacional (Amazon, Shein, Shopee) que chegou ao Brasil competindo com as empresas brasileiras?

Sem dúvida nenhuma a palavra é concorrência, sim. Num passado não muito distante, um varejo local competia com outros varejos daquela região. A gente poderia ver uma competição, uma concorrência mais acirrada entre lojas de rua e lojas de shopping, entre as lojas do interior e as lojas da capital, mas você tinha uma concorrência entre participantes que estavam sujeitos às mesmas regras e que, de novo, estavam todos muitos próximos. A gente estava falando de comércios que disputavam cliente que fazia com que a renda que fosse gerada a partir daquele consumo ficasse naquele ambiente ou, na pior das hipóteses, transbordasse para outra cidade.

Quando a gente vê essa questão do avanço do digital, a gente começa já a aumentar o nosso radar de concorrência. Você não concorre mais só que com quem está do seu lado ou, se você é uma cidade pequena, com quem está na capital. O comércio local de Porto Alegre, por exemplo, começa a concorrer com São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília. A quantidade de concorrentes aumenta nesse mercado.

Mas quando vêm esses sites estrangeiros, a grande questão não é você ter mais concorrentes, é você ter concorrentes que concorrem com bases de concorrência diferentes. A gente está num país em que a carga tributária sobre bens é muito alta. Se a gente concorre com agentes econômicos que não pagam o mesmo tributo ou os tributos que pagam não são nas mesmas quantias, em termos relativos, de quem vende aqui dentro, a gente cria uma condição diferenciada que favorece esse agente externo.

E o que a gente sabe – o pior, né – é que muitas dessas vendas aconteciam baseadas em fraude. Porque aqui no Brasil existe uma legislação que diz o seguinte: a venda de produtos, no sentido que você tem ali uma empresa vendendo para um consumidor, vai sempre ser tributado. O que não vai ser tributado? Quando duas pessoas físicas realizarem uma troca de produtos com valor menor de 50 dólares. Estava se olhando pra essa troca não como uma troca monetizada, mas uma troca de presentes entre partes. Então, quando vêm essas empresas e baseadas nessa ideia de que a troca entre duas pessoas físicas até o limite de cinquenta dólares de produtos não seria tributada, começa a haver uma fraude, porque as empresas começam a se travestir de pessoas físicas pra conseguir entrar na economia brasileira sem tributação.

Então é óbvio, né. Quando você tem uma tributação muito alta aqui dentro, você gera um degrau gigantesco que favorece do ponto de vista tributário quem não paga esse tributo. O problema não é a concorrência, o problema é a concorrência desleal. A gente, pouco tempo atrás, vivendo tempos de olimpíadas, todo mundo fazia o antidoping, né. Para quê? Para que quem ganhasse a medalha de ouro, prata e bronze fossem de fato os vencedores, e não alguém que estava turbinado por algo que não é permitido.

O caminho ideal é fazer o mercado internacional pagar o que o brasileiro paga ou diminuir a tributação no Brasil para esses produtos?

No curtíssimo prazo, o que se tem que fazer é que esses produtos estrangeiros paguem o que se cobra de importações habituais, é simplesmente eles cumprirem a regra.

A gente já está num processo de atualização do nosso sistema tributário, e essa atualização ela vai levar a uma redução, provavelmente, da tributação de bens aqui no Brasil. A gente não pode esperar esse processo todo acontecer pra tentar limitar essa entrada injusta, a gente tem pressa em fazer com que as condições de competitividade sejam equivalentes. Não dá pra esperar todo o processo de reforma tributária se completar, que vai acontecer lá em 2033, pra gente dizer “agora está um pouco melhor”. A tributação entre países nunca vai ser igual, a gente tem uma carga tributária muito alta de consumo de bens e serviços no Brasil, mas no curtíssimo prazo é fazer com que os produtos importados paguem o que é exigido dos produtos importados.

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