Sebo é o nome popular dado a livrarias que compram, vendem e trocam livros usados. Concentrados em sua grande maioria no Centro Histórico de Porto Alegre, os sebos, além de terem a proposta de ser uma opção mais acessível, também são uma alternativa de passeio nos fins de semana da Capital. Por isso, a Beta Redação foi até a Rua dos Andradas, no coração do Centro Histórico, conhecer três sebos famosos: Beco dos Livros, Só Ler e Café Riachuelo.
Com mais de 30 anos de existência, criado por Peter Dullius em 1992, o Beco dos Livros é um dos mais antigos sebos da Capital e já passou por diferentes pontos. Atualmente o sebo conta com três unidades: a mais velha na Rua Riachuelo, 1263; outra na General Câmara, 409; e a terceira na Rua dos Andradas, 697, pertinho do Casa de Cultura Mario Quintana. “Aqui na Andradas nós ficamos abertos o ano inteiro: feriados, Natal e Ano Novo”, destaca o proprietário. Peter brinca que a ideia de abrir um sebo surgiu da vontade de fugir da caça aos marajás do Collor e da necessidade de ter um lugar para a mulher trabalhar. “Eu trabalhava como economista no EMBS, então quando ele começou a caçar os marajás eu resolvi largar disso e trabalhar por conta própria”, diverte-se.
Já o sebo Só Ler é uma empresa familiar que surgiu primeiro em São Leopoldo e depois, em 1998, veio para Porto Alegre, onde hoje possui duas lojas, a mais antiga sendo a unidade da Senhor dos Passos, que existe há 26 anos. Atual gerente da unidade localizada na Andradas, 870, Sabrina Nekel conta que entrou nesse mundo por acaso. “Eu trabalhava aqui perto e vinha de vez em quando comprar livros, aí uma amiga minha começou a trabalhar aqui, com isso conversei com a gerente da época, que abriu uma vaga. Agora já estou há 12 anos aqui.” Ela ainda relata que trabalhar no sebo é muito bom, pois o público que frequenta o local é muito educado e simpático.
Com uma história mais recente entre os três, mas marcante pela sua proposta de integrar uma leitura com um cafezinho, o sebo Café Riachuelo existe há 10 anos na Capital, tendo a sua sede original na Riachuelo, 1267, e a mais recente unidade na Andradas, 706, em frente ao Beco dos Livros. “Aqui faz um ano só, nós mudamos o café para cá porque lá em cima, na loja mais antiga, não estava dando muito movimento”, frisa Cristine Domingues, gerente da loja da Andradas. Assim como Sabrina, ela também caiu de paraquedas nesse universo através de um convite. “Nunca imaginei que iria trabalhar com isso, mas é muito legal, porque me possibilita conhecer várias coisas e autores diferentes que nunca li.”
O impacto da enchente de maio
A enchente de maio atingiu vários comerciantes localizados no Centro Histórico. A Rua dos Andradas ficou alagada por dias, já que a água chegou a 5 metros de altura. Sabrina Nekel, do sebo Só Ler, conta que a loja teve perda total, pois foi preciso trocar todo o layout, substituir todas as prateleiras, trocar o piso e conseguir novos livros, já que todos haviam sido perdidos. “Foram dois meses de muito trabalho para a gente conseguir reconstruir e voltar a trabalhar. A reinauguração foi só em julho, então nesse início as vendas diminuíram bastante, até porque muitos dos nossos clientes também foram atingidos e perderam muita coisa. Só agora, nesses últimos meses, que o pessoal está se reerguendo e tá voltando a comprar os livrinhos que perdeu”, ressalta.
Também afetada pela enchente, a gerente do sebo Café Riachuelo, Cristine Domingues, relata que não teve grandes perdas, pois foi possível salvar os livros antes de a água subir. “Ficamos 40 dias parados esperando a água baixar. A gente conseguiu, claro, levantar os livros, mas a loja ficou muito úmida de ficar molhada por muito tempo, então muitas coisas ficaram mofadas, como as estantes e móveis. Algumas coisas a gente conseguiu salvar, mas teve uma perda significativa de 10% dos livros”, destaca.
Diferentemente das colegas, o dono da rede Beco dos Livros, Peter Dullius, teve a sorte de não ter a loja inundada por conta da sua elevação. “Nós fomos a única loja que não entrou água na Andradas, porque tem os degraus na entrada, diferente do resto, que é tudo no chão. Mas também nos impactou, porque ficamos 30 dias parados esperando a água baixar e a luz voltar”, aponta. Com isso, as vendas nesse período, até o início da retomada em junho, foram zero.
Os hábitos de consumo e a visão do público
Algo unânime entre todos os vendedores é o perfil do público. Todos destacam que é um público variado, que vai desde os adolescentes consumidores dos favoritos do TikTok até o público mais velho, consumidores da literatura nacional e cruzadinhas. No entanto, Peter Dullius, do Beco dos Livros, ressalta a prevalência das pessoas mais novas. “Aqui é uma loja onde se encontra todo mundo, mas de fato tem mais jovens, essa turma de 15 a 30 anos é o que mais tem, depois vêm as crianças e os mais velhos.”
Como consequência disso, o tipo de livro que mais vêm saindo, de acordo com os vendedores, é o dos “famosinhos do Tiktok”, que são livros de literatura estrangeira de romance e suspense, seguidos pelos de literatura nacional. “Tudo que tá em alta no Tiktok, tipos os livros da Collen Hoover, é o que mais procuram”, reforça Sabrina Nekel.
O preço dos livros vendidos em sebos é geralmente mais baixo, com exceção de livros raros, autografados, primeiras edições ou que levam encadernação de luxo, que podem ter um custo maior por seu valor histórico.
Para o editor de livros André Ricardo Guerra, que estava de passagem pela Capital por conta da Feira do Livro e tem o hábito de ir conhecer sebos em toda cidade que visita, os preços dos sebos estão variados. “Apesar de ter muitos com desconto e preços acessíveis, há outros se comportando como livraria”, relata. Ele conta que também faz compras on-line e usa muito a Amazon, mas que mesmo assim costuma sempre privilegiar mais os sebos. “Eu gosto de procurar as raridades, mas que estejam baratas. Na minha cidade, João Pessoa, costumo a praticar a política de troca. Junto uma pilha daqueles que não vou ler mais para trocar ou então vender”, enfatiza André.
Já a dupla de estudantes Jean da Silva Pereira, de 19 anos, e Joana Rosa Belloli, de 18, acredita que os preços estão salgados comparados a livros novos vendidos on-line e, por isso, não são muito de visitar sebos. “Tem muito livro caro e que a qualidade não é muito boa, então às vezes vale muito mais a pena tu pagar R$ 5 a mais por um novo”, aponta Joana. Ambos são adeptos do Kindle e da compra on-line. Para Jean, essa questão dos preços mais elevados faz com que o sentido original do sebo se perca: “Era para ser um local mais acessível”.
No Brasil, a ferramenta de livros virtuais Kindle só chegou em 2013. Do ponto de vista de Sabrina Nekel, as vendas on-line e a aplicabilidade do Kindle pelo público coexistem com os sebos. “No início, quando lançou, afetou um pouco as vendas, mas eu acho que o público que gosta de livros mesmo, é o físico, é o cheiro. Então tem aqueles clientes que têm o Kindle, mas continuam comprando com a gente”, afirma.
De acordo com Peter Dullius, atualmente o dispositivo não tem tanto impacto nas suas vendas. “Eu noto, assim, que nunca se leu tanto livro no mundo como agora, mas as pessoas gostam daquela ideia de ler um capítulo ou outro, aí recorrem à internet. Isso que nos pegou um pouco, porque ninguém mais faz cópia de xerox, que era algo que tínhamos aqui”, relata.
Embora novas formas de consumir livros tenham surgido, os sebos ainda fazem parte da rotina dos leitores tanto por serem uma opção mais em conta quanto por se tornarem uma opção de passeio com a família, amigos ou sozinho mesmo. Para Cristine, os sebos persistem porque as pessoas ainda querem sentir o que é ter um livro nas mãos. “Eu nem imaginava que ainda tinha tanta gente lendo no físico, achei que estavam mais voltados para o digital, mas não, tem um grande público que ainda quer ter o físico”, ressalta.
Segundo Peter, os sebos sempre irão existir, mas precisam estar em um local central. “Teve uma época em que os aluguéis ficaram muito caros e sobraram poucos, mas sempre vai ter. No sebo você não vêm com um livro em mente, pois é o livro que te encontra, porque aqui tem tudo, de A a Z, então você tropeça com os livros e eles te acham.”