Com a missão de promover a inclusão social através do esporte, o projeto do Instituto Ecovox oferece aulas gratuitas de Tênis para a comunidade
No Brasil, conforme a Confederação Brasileira do esporte, estima-se que 2 milhões de pessoas praticam Tênis. Apesar da sua versatilidade, sendo possível jogar em todas as faixas etárias, ainda há o estigma de que o Tênis é restrito a clubes e academias. Com o objetivo de desfazer a ideia de elitização do esporte, o projeto “Tênis na Vila”, da Organização Não Governamental (ONG) Ecovox, promove a democratização e o acesso ao Tênis através de aulas gratuitas e desafios realizados em uma quadra localizada no coração da comunidade do bairro Maria Regina, em Alvorada.
A iniciativa nasceu em 2018, idealizada por Carlos Weiss, Mário Augusto Acosta e Ronaldo Antunes, que revitalizaram uma quadra pública antes utilizada como local de descarte incorreto de lixo. No ano seguinte, a ONG obteve a autorização oficial da prefeitura municipal para reformar e utilizar o espaço, tornando-o adequado para a realização das aulas práticas do projeto.
Sonho de infância
A inspiração para o projeto surgiu do produtor musical e fundador do Instituto Ecovox, Carlos Weiss, de 56 anos, que nasceu em Santa Catarina, mas se considera Alvoradense de coração. O músico conheceu a prática esportiva do Tênis aos 14 anos, quando foi contratado para trabalhar como gandula na Associação Leopoldina Juvenil, local de referência do esporte no Brasil. “Foi amor à primeira vista. Eu nunca tinha ouvido falar sobre Tênis, mas na primeira vez que vi as pessoas jogando, todas uniformizadas, meus olhos brilharam”, relembra.
A admiração pelo esporte cresceu ainda mais quando, sem saber, Carlos conheceu e teve uma aula com o tenista profissional, Thomaz Koch. “O Thomaz tinha ido treinar no clube e eu estava na quadra ao lado enquanto o tenista treinava saque, brincando com uma raquete, batendo bolinha no paredão, já que era meu horário de folga”, explica.
Na oportunidade, conta que ficou impressionado quando viu Thomaz jogando com tanta prática. “Aproveitei para perguntar se aquele movimento era difícil. Então, ele interrompeu seu treino e dedicou alguns minutos para me explicar como realizar um saque. Todos do clube ficaram olhando perplexos e eu sem entender nada, pois não tinha conhecimento sobre os ídolos do esporte”, disse.
Com 15 anos, Carlos foi dispensado do clube devido a uma redução no quadro de funcionários. O tenista destaca que, na época, tinha a ilusão de que todos tinham as mesmas oportunidades, mas ao procurar outros locais para trabalhar com a prática do Tênis, notou que as coisas eram mais complicadas. “Há 40 anos atrás me apresentaram uma coisa linda que, mais tarde, foi tirada de mim, justamente devido à elitização do esporte. Tentei encontrar outro local para trabalhar com o Tênis, mas não consegui e abandonei o esporte por um bom tempo”, lamenta.
O músico conta que sempre que passava por uma praça e via uma quadra poliesportiva, uma sensação de perda o acompanhava. “Eu sabia que poderia estar jogando, mas não conseguiria me integrar ao círculo social dos clubes”, constata.
Carlos encontrou seu caminho de volta ao esporte em 2015, ao começar a treinar em uma quadra particular do treinador Jorge Souza, em Alvorada.
Nesse mesmo ano, o estatuto da ONG Ecovox, anteriormente focada exclusivamente na educação e conscientização ambiental, foi modificado para incluir também iniciativas esportivas e ações sociais. O ponto de partida para o projeto aconteceu em 2017, durante uma conversa em um pub. Carlos compartilhou com Mário que tinha voltado a jogar Tênis em uma quadra particular, o que despertou interesse nele, pois sua filha queria começar a jogar Tênis. “Brinco que o projeto teve origem em um bar, pois a partir daquela conversa Mário se envolveu e começou a treinar conosco. Também foi ele quem teve a ideia de revitalizar a quadra que era próxima a sua casa”, recorda. Carlos complementa que na sequência Ronaldo também se entusiasmou com a proposta, dando início às reformas no espaço.
O nome “Tênis na Vila” surgiu organicamente a partir da curiosidade das pessoas que passavam pela rua Tupã e viam Mário, Carlos e Ronaldo jogando. Carlos conta que, certo dia, um morador passou e comentou: “’Ué, tênis na vila?’ e essa pergunta se repetiu algumas vezes. Foi a partir dessas interações que decidimos nomear nossa iniciativa dessa forma”.
Em 2019, o projeto começou com aulas abertas realizadas aos sábados que consistiam na iniciação ao Tênis através do contato com a raquete e os fundamentos básicos da modalidade. Porém, com a pandemia de COVID-19 em 2020, as atividades foram paralisadas e apenas retornaram no ano seguinte, seguindo os protocolos de distanciamento. Mas em outubro de 2022, Carlos, considerado a alma do projeto por todos, precisou fazer uma cirurgia de revascularização cardíaca. “Esse ano estou retomando o projeto e a minha vida, no Tênis brinco que estou fazendo o desafio ‘Bate Coração’, que são diversos jogos aos fins de semana para voltar a forma e talvez, competir pela primeira vez profissionalmente em 2024”, declara.
Impacto positivo no bairro
No cenário de Alvorada, município da região metropolitana de Porto Alegre, onde a maioria dos trabalhadores ganha em média 2,3 salários-mínimos, as atividades esportivas possuem um papel agregador. Para Mário Acosta, professor de música e morador do bairro Maria Regina, o projeto tem a missão de proporcionar a todos o primeiro contato com o Tênis. “As pessoas pensam que, por ser na vila, ninguém se interessa em jogar. Mas essa não é a realidade, pois não quer dizer que o fato de a pessoa ser mais simples, ela não possui referências ou conhecimento. Muitas vezes estamos jogando e passam os selecionadores de recicláveis e fazem o famoso grito do Guga (Gustavo Kuerten, tenista brasileiro), ou param para assistir. Todos podem, basta ter a oportunidade”, ressalta.
Saul Alves, de 45 anos, professor de educação física e responsável pelo projeto pedagógico no Instituto Ecovox, enfatiza que além de proporcionar oportunidades para a gurizada, o Tênis ensina a respeitar o adversário através de regras de gentileza e boas maneiras. “Por ser um esporte sem contato físico, o Tênis ensina a resolver conflitos através da análise técnica e do diálogo”, frisa. Jorge Michel Kirsch, colaborador do projeto, sublinha a importância vital de iniciativas como o “Tênis na Vila” para o município. “O esporte não apenas traz disciplina, mas também afasta as crianças das ruas. Em vez de ficarem ociosas após a escola, elas estão praticando um esporte e socializando em um ambiente saudável”, destaca.
Segundo o pintor e morador do bairro, Ademar Domingues, de 51 anos, a revitalização da quadra teve um impacto significativo na comunidade e proporcionou mais segurança e limpeza à esquina onde está localizada. “Eu apoiei desde o início, pois moro em frente à quadra que estava abandonada e acabava atraindo usuários de drogas para cá. Inicialmente, alguns vizinhos não aceitaram bem a ideia, mas fui um dos primeiros a defender e expliquei aos demais que isso seria benéfico para a nossa rua”, revela Ademar.
Um esporte para todos
Já passaram mais de 100 pessoas pela quadra do “Tênis na Vila” e atualmente o projeto conta com 32 jogadores homens divididos nas categorias A e B, os chamados amigos do “Tênis na Vila”. “São pessoas da vila que aprenderam a jogar e apoiadores que vem do centro da cidade, bairro Piratini e da zona norte de Porto Alegre”, informa. As aulas são organizadas através de um grupo no WhatsApp.
Uma das metas do projeto é expandir a presença feminina, que atualmente é concentrada em apenas 6 mulheres. Entre elas estão a professora Luciana Godim e a artesã e vocalista da banda Vocal Eco do Instituto Ecovox, Janaína Felix da Rosa.
Luciana Godim conta que conheceu o projeto através de Mário, em 2020, e decidiu participar das aulas abertas. “Para mim, jogar Tênis melhorou minha vida em todos os aspectos, tanto físico quanto mental. Quando entro na quadra, esqueço de tudo e foco apenas no jogo. Isso é ótimo para desopilar”, afirma.
Sobre aumentar a presença feminina, Janaína enfatiza a necessidade de incentivar mais mulheres a se envolverem em atividades esportivas para desmistificar pré conceitos. “As mulheres devem ser encorajadas a participar ativamente de esportes, especialmente do Tênis, cujas regras não são tão conhecidas pelo grande público. Estou ansiosa para ter mais colegas para jogar”, realça.
Próximos passos e como participar
Expansão é a palavra que define o próximo objetivo do projeto, que junto ao Instituto Ecovox pretende realizar o cercamento do local e a construção de mais duas quadras de Tênis e uma quadra de Beach Tennis. “Também queremos implementar uma Escolinha de Tênis, para crianças e adolescentes em risco de vulnerabilidade social’, informa Carlos.
A rua Tupã abriga não apenas as quadras, mas também a sede do Instituto Ecovox, em um terreno cedido pela prefeitura. Nesse espaço, além das quadras, há planos para um centro de convivência social com área aberta, uma pracinha com mesa de ping-pong e uma academia ao ar livre.
Atualmente, o projeto é financiado por apoiadores e pelos próprios fundadores. O colaborador do “Tênis na Vila” e técnico em T.I, Fernando Lagranha, diz que estão em busca de parcerias: “Estamos procurando empresas privadas e instituições de ensino que possam contribuir com o desenvolvimento do projeto. Embora seja gratuito, quem puder, também pode ajudar com uma contribuição voluntária de R$ 30”, comunica.
Na área da educação, Mário explica que possuem a meta de estabelecer parcerias com escolas municipais e estaduais da região para a realização de aulas práticas na quadra. “Essas aulas seriam realizadas para crianças durante o horário da disciplina de educação física, com a presença dos professores de escolas próximas”, explica Mário.
Para quem deseja participar das aulas abertas e desafios ou apoiar o projeto “Tênis na Vila” doando raquetes e bolinhas, é só entrar em contato com o idealizador, Carlos Weiss, pelo WhatsApp: (51) 98469-9983. O projeto está localizado na Rua Tupã, nº 3, no bairro Maria Regina, em Alvorada.